quarta-feira, 6 de julho de 2016

Modelo de Sentença Federal Ambiental - Problema e Espelho

Problema

PARTE I – O Velho e o Pássaro
O sol castigava o chão ainda úmido pela rápida chuva que acabara de cessar. O tempo estava abafado naquele sábado de março do ano de 1988. Seu Virgulino, como era conhecido na Comunidade de Outeiro – povoado rural do Município de Caiçara do Rio dos Ventos/RN –, onde morava desde quando havia se dado por gente, ouvia o rádio deitado desleixadamente em uma rede que sempre permanecia ali, armada na varanda. A semana de trabalho no pequeno roçado que cultivava a uma légua e meia de sua casa havia esgotado suas forças e decidira que naquele dia ficaria apenas desfadigando. Como que administrando seu pequeno feudo, Seu Virgulino dava ordens a um filho e a outro. “Traga-me uma xícara de café”. “Deixe você de aperrear as galinhas”.
A tarde passava lentamente quando Seu Virgulino avistou aproximar-se Didi, um menino amarelo que sempre andava por aquelas bandas. Carregava ele algo na mão direita. A lâmina de uma enxada, talvez. A luminosidade ofuscante impedia-o de distinguir adequadamente o objeto. “Ei, pivete, o que tens aí? Chegue aqui.” Didi acercou-se e mostrou ao velho deitado na rede uma gaiola e, dentro dela, um filhote de papagaio. “Cacei ontem. Estou vendendo. Quer?” A essa altura, os quatro filhos de Seu Virgulino já haviam arrodeado o pai para se inteirarem da novidade. O irritante mantra “compra, compra, compra” se repetiu até que o vencido agricultor acertasse o preço e adquirisse o pássaro do vendedor mirim. Por sugestão imediata do caçula Patativa, acolhida à unanimidade, foi dado ao papagaio o nome de Tiririca.
Tiririca cresceu forte e sadio. No princípio, permanecia em uma gaiola construída às pressas por Seu Virgulino, depois, preso por uma longa corda e, por fim, ao cabo de alguns anos, solto pela casa e pelo quintal. Todos na família o amavam. As crianças, quando não estavam na escola, passavam o tempo a brincar com a ave e a ensinar-lhe os nomes mais inapropriados que seus limitados vocabulários conheciam. “Ei, abestado!”, era o que o mascote mais repetia. Mas, de todos, o mais apegado a Tiririca era mesmo o Seu Virgulino. O velho rurícola, ao chegar em casa empapado de suor depois da diária labuta na roça, antes sequer de tomar o primeiro gola d’água ou cumprimentar a esposa que sempre estava a preparar o almoço ou o jantar, procurava o papagaio. Os dois, às vezes, passavam horas juntos. Enquanto o agricultor contava ao pássaro algum evento ocorrido na cidade ou queixava-se de uma medida do governo que desaprovava, o outro falava confiante algumas das palavras de seu repertório, por óbvio, sem nenhum nexo com o diálogo que ali estava sendo travado. Tiririca era um membro da família, não havia dúvidas.
Os anos passaram. Já estamos em 2013. Seu Virgulino sempre temera esse dia. Evitava pensar sobre ele, como se essa abstenção servisse para evitá-lo. Mas a fatídica data chegou e chegou em uma camioneta branca, com os dizeres na porta “IBAMA”. O velho sabia a causa da inoportuna visita: fora a discussão da véspera com Chico Pezão. Se soubesse que defender o seu glorioso América, time do coração, ia lhe causar tanta desgraça, não o teria feito. Ao mesmo tempo, reconhecia que chamar os torcedores do ABC de “cambada de frouxos” também não havia sido nada gentil, mas não justificava que Chico Pezão chegasse ao ponto de fazer uma maldade dessas.
Os agentes da fiscalização não tardaram em finalizar seu mister. Indagaram sobre a origem do papagaio. Seu Virgulino explicou. Perguntaram se tinha “papéis”. Seu Virgulino negou. Explicaram que ter um bicho daquele em casa era ilegal. Seu Virgulino calou. Tiririca foi apreendido e levado embora.
Passados os primeiros dias, nos quais se sucederam no velho agricultor sentimentos aparentemente contraditórios, como indignação, tristeza, raiva (do Chico Pezão), conformismo e, novamente, tristeza, decidiu ele viajar a Natal para visitar seu pequeno amigo, seu irmão, e tentar, quem sabe, trazê-lo de volta pra casa. Após 4 horas, 35 minutos e o gasto do equivalente a alguns dias de trabalho, Seu Virgulino chegou à sede do IBAMA na capital potiguar. O funcionário que lhe atendeu, sisudo, de espesso bigode negro e óculos quadrados, não relutou em lhe acompanhar até onde o pássaro estava acautelado. A Seu Virgulino lhe pareceu o ambiente opressor. Um grande compartimento gradeado com dezenas de aves dentro. Lá estava Tiririca. Quieto, mudo, olhar perdido, como que refletindo sobre a vida que havia levado até ali. Ao primeiro chamado do velho o papagaio aproximou-se voando. Dispensemos a descrição do choro, das lágrimas e da nova despedida.
De volta ao balcão, Seu Virgulino, esforçando-se para transmitir com os olhos a dor que sentia, disse ao atento funcionário o discurso que havia preparado mentalmente, ou, pelo menos, a versão possível diante das circunstâncias: “que seu amado Tiririca estava melhor em casa do que aqui, em uma gaiola”, “que notou o pássaro deprimido”, “que Tiririca era um membro da família”, “que todos o tratavam com carinho e amor”. Notando que as palavras não surtiam o efeito de convencimento esperado, disse o velho por fim: “Seu moço, estou com ele há 25 anos. Nós envelhecemos juntos”.
O funcionário, assumindo um tom professoral, quase paternal, explicou ao choroso senhor que estava à sua frente que aquele era um papagaio verdadeiro, cujo nome científico era “amazonas aestiva”, que se tratava de um animal silvestre e que, por isso, proibia a lei que fosse criadoem cativeiro. E essas eram as razões pelas quais a ave tinha sido apreendida, devendo permanecer ali no Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) até que possa voltar ao seu habitat natural, caso ainda seja possível sua readaptação à natureza.
Seu Virgulino voltou pra casa sem Tiririca. Todos na comunidade sabiam do ocorrido. Todos se lamentavam. Até Chico Pezão, após desmentir que havia sido ele o delator, confessou o feito e procurou a família de Seu Virgulino para se desculpar. Dias depois, Marcondes Falcão, vizinho de meia légua de distância na direção do poente, procurou o nosso protagonista para avisar-lhe que, conforme ficou sabendo por sobrinho seu, existia uma tal de defensoria pública que funcionava como “advogado dos pobres”, a qual poderia ir à Justiça para tentar trazer Tiririca de volta ao lar. Aconselhou, então, que Seu Virgulino procurasse tal órgão.
Assim foi feito.
PARTE II – O Processo
Relatado o caso à Defensoria Pública da União, esta ingressou com Ação Ordinária contra o IBAMA, postulando, inclusive em antecipação de tutela, fosse determinada a devolução do papagaio Tiririca ao Sr. Virgulino, autor da demanda. A petição inicial basicamente sustentava que a medida de polícia ambiental levada a efeito pela autarquia ré, consistente na apreensão da ave silvestre, resultaria em maior prejuízo para o animal, além de causar grande sofrimento no promovente, não sendo esta a intenção da lei.
O magistrado federal condutor do feito concedeu parcialmente a tutela antecipada requerida apenas para garantir ao autor o direito de visitar semanalmente o papagaio Tiririca na CETAS em Natal, ficando assegurada a duração mínima de duas horas em cada visita.
O IBAMA, através de sua contestação, pediu, em preliminar, fosse o feito extinto sem resolução do mérito, já que não fora apresentada procuração firmada pelo autor outorgando poderes ao causídico que assinou a peça inaugural (fato verdadeiro). No mérito, alegou que, conforme regramento estabelecido pela Constituição Federal, pelas Leis nº 9.605/98 e n° 5.197/67, bem como pelo Decreto n° 3.179/99, seria ilegal a guarda de animal silvestreem cativeiro. Disseque a origem do Papagaio Tiririca era o tráfico ilícito, já que não havia qualquer documentação atestando a legalidade de sua venda ao autor. Aduziu que a lei vigente não previa qualquer hipótese que autorizasse a criação doméstica dos referidos animais. Ponderou que a eventual procedência da ação significaria um estímulo à prática criminosa de tráfico de animais silvestres. Defendeu que a apreensão de todos os animais encontrados em situação de cativeiro ilegal era importantíssima para a educação ambiental da população, além de imprescindível para a preservação das espécies. Asseverou que a existência de laços afetivos entre a ave apreendida e o autor e sua família não tinha o condão de afastar a aplicação de lei cogente. Assim, requereu fosse julgada improcedente a ação.
Juntamente com a contestação, juntou o IBAMA o Termo de Apreensão do papagaio Tiririca, bem como o Exame Veterinário realizado na ave quando de sua chegada no CETAS. Nos referidos documentos constava que o animal se encontrava em bom estado de saúde, sem marcas de maus tratos, bem disposto e bastante falante.
Intimada para se manifestar sobre a preliminar levantada pela autarquia ré, deixou a parte autora expirar in albis o prazo.
Em audiência de instrução, compareceram três testemunhas do autor, todas moradoras da comunidade de Outeiro, em Caiçara do Rio dos Ventos/RN, as quais unissonamente afirmaram que o papagaio Tiririca morava com o autor fazia 25 anos, que o bicho era muito bem tratado, bem alimentado e que vivia solto pelo quintal da casa, que a ave era como um membro da família e que o autor encontrava-se profundamente deprimido desde que o pássaro foi apreendido.
Já a autarquia promovida trouxe para prestar esclarecimentos um Analista Ambiental, dos quadros do próprio IBAMA, que em depoimento afirmou que: “A espécie amazona aestiva é encontrada no Nordeste, em partes do Centro-Oeste e no Sul do Brasil, tendo habitat também na Argentina e no Paraguai. É o papagaio mais procurado pelos criadores ilegais, pois tem fama de ‘falador’. Os papagaios são capturados clandestinamente e transportados para serem vendidos. Além da captura, se perdem os ovos e muitos filhotes morrem no ato da retirada das aves dos ninhos, pois frequentemente derruba-se a árvore, eliminando assim também os locais favoráveis para reprodução, como as palmeiras velhas, que são os melhores locais para essas aves procriarem. Os papagaios verdadeiros, quando se acasalam, formam pares para a vida toda, chegando a voar tão próximos que parecem ser um único corpo com quatro asas. O autor retirou do papagaio Tiririca – a quem diz querer tão bem – a chance de levar uma vida feliz na natureza, reduzindo-o à indignidade do cárcere. E, ainda, agiu como promotor do comércio ilegal, contribuindo para o tráfico de espécies silvestres. De fato, era difícil ou improvável que Tiririca conseguisse se adaptar novamente à vida na natureza, tendo em vista o longo período em que permaneceu em cativeiro, sendo tratado com animal doméstico, mas, ainda assim, ele estaria melhor no CETAS do que na casa do autor, pois ali poderia receber o tratamento adequado, assistido por veterinários.”
Em alegações finais as partes simplesmente repetiram seus argumentos anteriores. O autor pediu a procedência da ação e o réu sua improcedência.

Assuma o lugar do Juiz Federal para ao qual foi distribuído o processo e prolate a sentença que o caso está a merecer. Como sempre, dispensado está o relatório.


Espelhos possíveis

Espelho 01
II - FUNDAMENTOS
II.1 - PRELIMINAR. PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE REPRESENTAÇÃO
O Réu alega, em sede de preliminar, que o Autor não se encontra devidamente representado pelo causídico que assinou a peça inaugural, eis que não fora apresentada procuração firmada pelo Autor conferindo poderes para a postulação em juízo, motivo pelo qual requer a extinção do processo sem resolução do mérito.
Embora, em regra, seja exigido o instrumento de mandato ao advogado, outorgando-lhe poderes para a postulação em juízo, nos termos do art. 37 do CPC, no presente caso, torna-se desnecessária a exigência de procuração, haja vista o Autor estar assistido pela Defensoria Pública.
Com efeito, nos termos do art. 16, p. único, da Lei nº 1.060/50 e art. 44, XI, da Lei Complementar nº 80/94, aos membros da Defensoria Pública não será exigido o instrumento de mandato, salvo para a prática de atos que demandem poderes especiais.
Sendo assim, afasto a preliminar alegada e passo ao exame do mérito da demanda.
II.2 - MÉRITO
O art. 1º da Lei nº 5.197/67 proíbe a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de animais silvestres. Por sua vez, o art. 3º da referida Lei, na mesma linha, coíbe o comércio de espécimes da fauna silvestre.
A Lei nº 9.605/98 criminalizou a conduta de adquirir, guardar ou ter em cativeiro animais silvestres (art. 29), considerando também tal conduta como infração administrativa (art. 70), tornando-se possível, assim, a apreensão dos animais que se encontrem na situação descrita (art. 72, IV), hipótese em que eles serão restituídos ao seu "habitat" natural ou entregues a jardins zoológicos, fundação ou entidades assemelhadas (art. 72, § 6º, c/c art. 25, § 1º).
Conforme se observa, existem, no ordenamento jurídico, normas que proíbem a guarda, ainda que doméstica, de animais silvestres. Ocorre que tais normas devem ser interpretadas de acordo com os fins sociais a que se destinam, nos termos do art. 5º da LINDB, sob pena de se ocasionar situações de graves injustiças. Nesses termos, e diante das peculiaridades existentes no caso em apreço, não se mostra razoável a apreensão do papagaio que se encontrava na guarda do Autor.
Com efeito, levando-se em consideração o grande lapso temporal em que o animal passou sob guarda doméstica, é possível sustentar, forte em precedente do STJ, que a própria qualificação do animal como silvestre restou mitigada, o que, por si só, já seria motivo suficiente para acolher o pedido do Autor.
Ademais, o próprio legislador relativizou o rigor das normas, nos casos de guarda doméstica de animais silvestres não ameaçados de extinção, nos termos do art. 29, § 2º, da Lei nº 9.605/98 e do art. 24, § 4º, do Decreto nº 6.514/08.
Conforme restou comprovado nos autos, por intermédio de provas testemunhais, o papagaio morava com o Autor fazia 25 anos, era muito bem tratado, bem alimentado e viva solto pelo quintal da casa, fatos estes corroborados pelo Termo de Apreensão do animal, bem como pelo Exame Veterinário, nos quais constam que o animal encontrava-se em bom estado de saúde, sem marcas de maus tratos, bem disposto e bastante falante.
Tudo isso converge para que se firme o entendimento de que a continuidade da guarda doméstica do animal, longe de se configurar um ato atentatório ao meio ambiente, configura-se um caso de plena harmonização dos valores socio-ambientais encartados na Constituição Federal, especialmente em seu art. 225.
Nesse aspecto, é importante consignar, ainda, que a reinserção do papagaio em seu "habitat" natural mostra-se improvável, conforme, inclusive, foi afirmado pelo Analista Ambiental do IBAMA, o que reforça a guarda doméstica do animal como a medida que melhor resguarda seu bem-estar, em consonância com o que dispõe o art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal.
Por fim, deve ser registrado que está sobejamente comprovado que o Autor não guarda nenhum intuito mercantil na posse do animal. Ao revés, mostra-se claro que o móvel do Autor é, evidentemente, o sentimento de afeição e carinho, motivo pelo qual não há risco de estímulo à prática criminosa de tráfico de animais silvestres.
III - ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
A tutela antecipada anteriormente concedida deve ser estendida para que se garanta a imediata restituição do animal ao Autor, haja vista a existência, nos termos do art. 273 do CPC, de prova inequívoca da verossimilhança da alegação, conforme já exposto na fundamentação, bem como diante do risco iminente de restituição do papagaio ao seu "habitat" natural.
IV - DISPOSITIVO
À vista do exposto, afasto a preliminar suscitada e julgo procedente o pedido do Autor para anular o ato administrativo de apreensão do papagaio e condenar o Réu na devolução do animal.
Antecipo os efeitos da tutela, determinando ao Réu a imediata devolução do papagaio ao Autor, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
Condeno, ainda, o Réu nas custas e demais despesas processuais.
Sem condenação em honorários advocatícios, tendo em vista que o Réu é pessoa jurídica de direito público integrante da mesma Fazenda Pública da Defensoria Pública da União, conforme decidiu o STJ em aplicação analógica da sua súmula nº 421.
Sentença sujeita à remessa necessária, nos termos do art. 475 do CPC.
P.R.I.
Local e data
Juiz Federal Substituto

 Espelho 02
 I – RELATÓRIO
Dispensado, conforme enunciado.
É o que basta relatar.
Passo a decidir.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1)         Preliminares
1.1)      Do pressuposto de desenvolvimento regular do processo – inexistência de procuração
Requer o Autor a extinção do processo sem resolução do mérito, tendo como fundamento a não apresentação de procuração firmada pelo autor, outorgando poderes ao causídico que assinou a peça inaugural.
Preconiza o art. 37 do Código de Processo Civil que, sem instrumento  de mandato, o advogado não será admitido a procurar em juízo.
Ainda no mesmo Codex, estipula o art. 38 que a procuração, por instrumento público ou particular, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o que se funda a ação.
Todavia, a Lei 1.060/1950, em seu art. 16, parágrafo único, estabelece que o instrumento de mandato não será exigido, quando a parte for representada em juízo por advogado integrante de entidade de direito público incumbido de prestar assistência judiciária gratuita.
Da mesma forma, a LC 80/1994, em seu art. 44, XI, permite que os membros da Defensoria Pública da União representem a parte, independente de mandato.
Logo, desnecessária a exigência de procuração, tendo em vista que a representação ocorre  por meio da Defensoria Pública, cuja exceção, quanto ao instrumento do mandato, encontra respaldo normativo, consoante se extrai das leis acima citadas.
Afastada a preliminar, ora suscitada, passo ao mérito.
2– Do Mérito
2.1 – Da Lei 9.605/1998
Dispõe a Lei 9.604/1998, em seu art. 29, as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, contra a fauna.
Entre as condutas típicas encontra-se a guarda ou o cativeiro de espécime da fauna silvestre.
A lei em questão estabelece sanções penais e administrativas às diversas condutas lesivas ao meio ambiente.
Também no art. 70, da referida lei, considera infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Assim, a guarda de animal silvestre, sem a devida autorização do órgão competente, corresponde à conduta que, por si só, é considerada um ilícito penal, a demandar proteção do Estado.
Por outro giro, o art. 72, da lei em análise, permite que a autoridade de polícia ambiental proceda à apreensão de animais.
O destino dos animais apreendidos é previsto no art. 25, § 1º, da Lei 9.605/1998, que prevê a liberação dos animais em habitat ou entrega a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.
2.2 -  Do Decreto 3.179/1999
O decreto citado foi revogado pelo Decreto 6.514/2008.
Este último decreto praticamente disciplina os dispositivos trazidos pelo primeiro.
Depreende-se de todo o arcabouço normativo que a atuação do IBAMA ao apreender o papagaio Tiririca, se deu em conformidade com a lei, tendo em vista o comércio ilegal, assim como a ausência de autorização da autarquia ambiental para a criação da ave silvestre em tela.
Busca-se, com tais normas, um ambiente ecologicamente protegido e equilibrado, além da garantia do bem estar dos animais envolvidos.
Com isso, pretende-se atingir o estabelecido na Constituição Federal, art. 225, uma vez que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações.
Para tanto, ou seja, para assegurar a efetividade desse direito, cabe ao Poder Público a proteção da fauna e flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
2.3 – Da situação fática
Embora toda a legislação permita que a autoridade ambiental realize a apreensão do animal silvestre, evidenciando a necessidade do cumprimento das normas vigentes, não é menos evidente que o papagaio apreendido há muito se distanciou de seu habitat natural.
Se a atuação do IBAMA é de grande importância na repressão aos crimes ambientais, por outro lado, verifica-se que a ave está plenamente adaptada ao convívio com os seres humanos, tendo em vista os mais de 25 anos da guarda do animal com o Autor.
Os autos de infração não indicam a ocorrência de maus tratos.
De fato, na situação apresentada, a devolução da ave domesticada ao meio natural implica a retirada do animal de seu verdadeiro habitat, que há 25 anos corresponde ao ambiente familiar do Autor.
Numa ponderação de valores, utilizando-se da razoabilidade, a reinserção à natureza do papagaio, há mais de duas décadas integrado a um ambiente familiar, traria mais prejuízos ao animal do que o efetivo cumprimento das normas vigentes.
Ademais, o Autor não ostenta a qualidade de traficante de animais, ressaltando que houve a aquisição de apenas um único exemplar do papagaio, com o único objetivo de criá-lo como se fosse doméstico, sem nenhum propósito comercial.
À vista disso, considerando que a aquisição do animal ocorreu há mais de duas décadas, deve-se observar que ainda não havia uma conscientização por parte da população acerca das regras e vedações em torno do tema meio ambiente.
Nem mesmo o Poder Público disseminava informações suficientes de modo a permitir o ideal discernimento sobre a conduta em contrariedade à norma vigente.
Por outro lado, o papagaio, atualmente dependente do homem para viver, reflete remotas possibilidades de eficaz reinserção à natureza.
Acrescenta-se, ainda, que a ave sempre foi bem tratada, bem alimentada, sequer apresentando sinais de maus tratos.
2.4) Da antecipação de tutela
Presente a verossimilhança do direito, visto que a aquisição do animal ocorreu na vigência da Lei 5.197/1967, que não trazia proibição alguma sobre a manutenção da guarda de animais silvestres.
Leva-se, também, em consideração o risco do prejuízo irreparável que reside na ineficácia do provimento jurisdicional.
Somando-se, ainda,  que há mais de 25 anos o animal vive sob a guarda do Autor, no intuito de proteger o animal silvestre, objeto desta demanda, verifica-se a presença dos pressupostos necessários à concessão da tutela de forma antecipada de forma ampliada, como requer o Autor.
III- Dispositivo
Face ao todo exposto, afasto a preliminar do pressuposto de desenvolvimento regular do processo.
De acordo com o art. 269, I, do CPC, resolvo o  mérito, e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, para anular o ato administrativo de apreensão do animal pelo IBAMA, determinando-se, assim, que a autarquia devolva o papagaio Tiririca ao Autor.
Modifico a antecipação de tutela parcialmente deferida, estendendo seus efeitos para que ocorra a imediata devolução da ave, de acordo com o art. 273, § 4º,  do CPC.
Afasto os honorários advocatícios, de acordo com o contido na Súmula 421 do STJ.
Sentença sujeita ao reexame necessário, na forma do art. 475, I , do CPC.
P.R.I.
Local, data.
Juiz Federal Substituto

Espelho 03
I- Relatório
II- Fundamentação
1) Da preliminar de  irregularidade na representação processual
O IBAMA argui preliminar requerendo a extinção do feito sob o argumento de que o autor não  apresentou procuração.
Não merece prosperar a tese defensiva indireta. Isto porque a Lei Complementar 80/1994, que organiza a Defensoria Pública da União, estabelece, no artigo 44, XI, como garantia dos Membros da Defensoria Pública da União representar a parte, em feito administrativo ou judicial, independentemente de mandato, ressalvados os casos para os quais a lei exija poderes especiais.
Assim, somente nos casos em que são exigidos poderes especiais, como aqueles previstos no art. 38 do CPC (receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito em que funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso, entre outros), deverá constar nos autos procuração.
Rejeito, portanto, a preliminar suscitada.
2) Do mérito
2.1)  Considerações acerca da proteção ambiental
A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer capítulo específico para tratar do meio ambiente, elevando a disciplina ambiental ao ápice da estrutura normativa pátria.
Dentre as incumbências determinadas pelo art. 225 da CF, está o de proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade, nos termos do que descrito no inciso VII.
Como medidas assecuratórias das imposições estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário previu o texto da Carta Magna que deveria a lei criar sanções penais e administrativas aplicáveis aos infratores que praticassem condutas lesivas ao meio ambiente.
Na seara infraconstitucional da Lei 9065/1998 dispôs sobre as sanções penais e administrativas, a Lei 5197/1967 dispôs sobre proteção à fauna e o Decreto 3179/1999, revogado pelo Decreto 6514/2008, regulamentou as infrações administrativas e o processo administrativo para apuração das infrações.
Neste contexto, o art. 72 da Lei 9605/1998 estabeleceu uma série de sanções administrativas, dentre as quais interessa ao caso a descrita no inciso IV que prevê a apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração.
Importa salientar, ainda, o disposto no art. 1° da Lei 5197/1967, segundo o qual os animais silvestres são propriedade do Estado, sendo proibida a   sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.
2.2) Das teses e provas
Trata-se de ação na qual o autor pretende a devolução do papagaio Tiririca, apreendido por agentes do IBAMA, na qual alega que a medida de polícia ambiental resultaria maior prejuízo do que a restituição.
O demandante produziu prova  através do depoimento de três testemunhas que afirmaram de forma uníssona que o papagaio morava com o autor fazia 25 anos, sendo bem tratado, bem alimentado, que vivia solto pelo quintal casa, que a ave era como um membro da família e que o autor encontrava-se deprimido.
O IBAMA, por sua vez, sustenta a legalidade da medida, tendo em vista a proibição de criação doméstica do animal. Pontuou que a apreensão dos animais encontrados em cativeiro ilegal seria medida de educação ambiental e que os laços afetivos entre a ave e o autor não teria o condão de afastar a lei.
Analisando as provas e teses do autos, merece prosperar a pretensão autoral.
De fato, na interpretação literal da lei, há de se reconhecer o dever da Administração Pública apreender os animais frutos de infração administrativa, nos moldes do disposto no art. 72, IV, da Lei 9605/1998.
Contudo, a interpretação das leis não se resume a verificação de subsunção da norma ao caso concreto. No processo de hermenêutica, o juiz dever buscar o ideal de justiça, atendendo aos fins sociais a que a lei se dirige e as exigências do bem comum, como se depreende do art. 5º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro.
Para isso, dentre os métodos de exegese, deve o julgador utilizar aqueles que teleológica e sistematicamente se aproximem dos ideais de justiça. Mais do que isso, na interpretação de princípios Constitucionais deve o juiz adotar o critério de ponderação, tendo em vista que os métodos tradicionais de solução de conflito aparente de normas são insuficientes na espécie.
Todos os elementos levam à conclusão de que a medida tomada pelo IBAMA, apesar de prevista em lei e decreto, é desproporcional, ao passo que os malefícios superam os benefícios.
Corroboram esta tese os esclarecimentos do Analista Ambiental, segundo o qual seria difícil ou improvável que Tiririca, cujo nome científico é amazonas aestiva, conseguisse se adaptar novamente à vida na natureza, tendo em vista o longo período em que permaneceu em cativeiro.
Ademais, os depoimentos das testemunhas comprovam que o animal convive com o autor há 25 anos, que era bem tratado, bem alimentado e que vivia solto pela casa.
Deste modo, considerando a situação peculiar do caso concreto, entendo que o animal deve ser restituído ao autor, tendo em vista que esta é a melhor  proteção ao meio ambiente.
III- Dispositivo
Pelo exposto, julgo procedente o pedido e condeno o IBAMA em obrigação de fazer para que devolva o papagaio ao autor, nos termos do art. 269, I, do CPC.
Sentença sujeita ao reexame necessário, por força do art. 475, do CPC e súmula 490 do STJ.
Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos da súmula 421 do STJ.
Sem condenação em custas, nos termos do art. 4°, I, da Lei 9289/1996.
Oportunamente, dê-se baixa e arquive-se.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Local e data
Juiz Federal Substituto

Espelho 04
1.         Relatório (dispensado pelo enunciado da questão)
2.         Fundamentação
2.1.      Preliminar
Em contestação, preliminarmente, o IBAMA defendeu a extinção sem resolução do mérito, já que não fora apresentada procuração firmada pelo autor outorgando poderes ao causídico que assinou a peça inaugural.
A questão levantada diz respeito a um pressuposto de constituição do processo, que, ausente, levaria a extinção do processo, sem resolução de mérito (art. 267, IV do CPC).
Acontece que uma das prerrogativas dos membros da DPU é representar a parte em processo judicial independente de mandato, ressalvado os casos para os quais a lei exigiu poderes especiais (art. 44, XI da LC 80/94).
 Ora, entre esses casos, a exigir poderes especiais, está receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso (art. 38 do CPC).
Como se vê, não há empecilho da DPU exercer a defesa do necessitado.
Aliás, já previa a lei sobre a assistência jurídica aos necessitados a dispensabilidade do instrumento de mandato quando a parte fosse representada por advogado integrante de entidade de direito público (lei 1060/50, art. 16, parágrafo único).
Assim, como o caso sob processo não é daqueles que exigem poderes especiais, rejeito a preliminar.
2.2.      Mérito
O IBAMA, exercendo o seu papel fiscalizador, apreendeu o papagaio tiririca, que se encontrava com o Sr. Virgulino, há cerca de 25 anos, período em que este desenvolveu grande afeição pelo animal.
Para justificar o seu direito de apreender o animal, o órgão sustentou a ilegalidade da guarda em cativeiro. Ainda, destacou a sua origem do Papagaio seria o tráfico ilícito e que não havia qualquer documentação atestando a legalidade de sua venda ao autor.
Acrescentou que a autorização para criação doméstica estaria desamparada legalmente e representaria estímulo à prática criminosa de tráfico de animais silvestres.
Ressaltou a importância da apreensão de todos os animais encontrados em situação de cativeiro ilegal para a educação ambiental da população, além de imprescindível para a preservação das espécies.
E para completar, asseverou que a existência de laços afetivos entre a ave apreendida e o autor e sua família não tinha o condão de afastar a aplicação de lei cogente.
Pois bem, a guarda doméstica de papagaio é uma prática antiga e que ganhou estímulo pela graça e descontração com que as espécies mais falantes despertavam. Essa prática aparentemente inocente, todavia, chamou a atenção não só dos ambientalistas porque, ao longo do tempo e praticado de modo disseminado, poderia colocar em risco a existência da espécie animal.
Ora, é direito das gerações atuais e futuras ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para tanto, quer o Poder Público quer a coletividade tem o dever de proteger a fauna, combatendo as práticas que provoque a extinção das espécies.
Entretanto, nem toda espécie está ameaçada de extinção. Assim, a própria lei ofereceu temperamentos quando a guarda domestica de espécie silvestre não sofre ameaça, admitindo que o juiz deixe de aplica a pena (Lei 9605/98, art. 29, § 2º).
Quando o Sr. Vigulino adquiriu o pagagaio Tiririca (março de 1988), sequer a CF/88 havia sido promulgada. Ainda, a atual lei de crimes ambiental somente foi promulgada 10 anos depois (1998).
Mais, a conscientização pública para a preservação do meio ambiente é um processo continuado que ganhou status constitucional no final daquele ano e a partir de então foi ganhando cada vez mais notoriedade e penetração no tecido social.
Não há nota de que o Sr. Virgulino mercadeje animais silvestres, nem que o único papagaio que possuía era tratado com maus tratos ou crueldade. Prova disso é que o Termo de Apreensão do papagaio Tiririca e o Exame Veterinário realizado na ave quando de sua chegada no CETAS revelaram o animal se encontrava em bom estado de saúde, sem marcas de maus tratos, bem disposto e bastante falante.
Então, o que seria melhor para o papagaio Tiririca (o objeto da proteção!)?
Pois bem, a lei 9605/98 previu que os animais apreendidos serão libertados em seu habitat (art. 25, § 1º) e o Decreto n. 6514/08, que os animais apreendidos não mais retornarão ao infrator (art. 134), sendo os animais silvestres serão libertados em seu habitat ou entregues sob os cuidados de técnicos habilitados.
Ora, a melhor resposta para o presente caso não é simplesmente ver a literal letra da lei. É preciso enxergar o seu sentido e fim. Além disso, a justiça guarda consigo a razoabilidade e proporcionalidade.
Primeiro, a analista ambiental do IBAMA concluiu que era difícil ou improvável que o papagaio Tiririca conseguisse se adaptar novamente à vida na natureza, tendo em vista o longo período em que permaneceu em cativeiro, sendo tratado com animal doméstico. Enfim, não se espera sucesso na reinserção do pagagaio Tiririca no meio ambiente.
Assim, o que será melhor, guarda-lo sob os cuidados do CETAS ou do autor? Provavelmente, no primeiro caso, receberia o tratamento adequado, assistido por veterinários. Contudo, estou mais certo que o pagagaio Tiririca será também bem cuidado aonde foi durante todo esse tempo: na casa do Sr. Virgulino.
Finco esse sentimento com base não apenas no depoimento das três testemunhas, moradoras da comunidade de Outeiro, em Caiçara do Rio dos Ventos/RN, que afirmaram que o papagaio Tiririca morava com o autor fazia 25 anos e que o bicho era muito bem tratado, bem alimentado e que vivia solto pelo quintal da casa, mas também no exame veterinário realizado na ave logo depois da sua apreensão, quando chegou ao CETAS, atestando o seu bom estado de saúde, sem marcas de maus tratos, bem disposto e bastante falante.
Outros cuidados, caso necessário, os veterinários do CETAS poderão orientar ao Sr. Virgulino que, pelo amor demonstrado ao bicho, haverá de segui-lo.
Não há mais o que fazer: é impossível voltar 25 anos atrás e devolver o pássaro à natureza, de onde jamais deveria ter sido sacado. Não é razoável que se retire hoje o papagaio da residência onde vive há 25 anos, convivendo com o Sr. Virgulino e sua família, a fim de tentar a duvidosa reintegração ao seu habitat.
Por fim, a educação ambiental é um processo, cultivado nas campanhas educativas, escola, televisão, família, etc para se chegar a conscientização ambiental, que importe na preservação das espécies.
 Não se pode dizer que o Sr. Virgulino, ao longo desses 25 anos de consolidação da Constituição Federal e de discussões ecológicas, não tenha aprendido as regras ambientais, conscientizado da necessidade de preservação da natureza, como tem ocorrido com o resto da sociedade brasileira e mundial. Retirar-lhe a ave de estimação não lhe faria mais educado ou consciente, ao contrário, fincar-lhe-ia uma dor permanente no velho coração, sem necessidade. Essa não é a missão do direito, muito menos da justiça.
3.         Dispositivo
Ante o exposto, ratifico a tutela antecipada, julgo procedente o pedido, extinguindo o feito com julgamento do mérito (art. 269, I do CPC), para conceder a guarda doméstica do papagaio, em caráter definitivo, ao autor da demanda.
Sem condenação em custas, porque o réu é isento (art. 4º, I da lei 9289/96).
Estando a DPU e o IBAMA vinculados a União, descabem as verbas sucumbenciais, por confusão de fonte e mantidos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Sentença sujeita ao reexame necessário, razão pelo qual os autos deverão subir ao Egrégio Tribunal Regional Federal, após o decurso do prazo para recurso, mas independente de sua interposição.
Local e data
Juiz Federal Substituto